Thales Aguiar: Como o ódio virou capital político e por que ainda rende tantos votos

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Caros leitores, se o amor move montanhas, o ódio movimenta eleições. Parece exagero? Enquanto campanhas falam em “esperança”, “união” e outras palavras bonitas que poderiam ter saído de uma embalagem de biscoito da sorte, o que realmente empolga o eleitorado é o bom e velho “nós contra eles”. E, cá entre nós, quanto mais inflamado o discurso, mais fiel o rebanho. A política virou um ringue e quem entra com flores na mão sai no primeiro round. O Brasil, que já foi conhecido pela cordialidade (aquela “cordialidade” disfarçada de autoritarismo, como bem advertiu Sérgio Buarque), agora parece ter feito um MBA em ressentimento. Esquerda e direita trocaram o debate de ideias pelo campeonato nacional de quem xinga melhor. “Comunista comedor de criancinha” de um lado, “fascista genocida” do outro. E no meio do tiroteio verbal, o eleitor cansado de pensar escolhe o candidato que mais grita, não o que mais explica.

Parafraseando Hobbes, o homem é o lobo do homem. Mas nas redes sociais, virou o pitbull do seu político de estimação. A cada eleição, vemos mais nitidamente que os algoritmos adoram uma treta: quanto mais ódio, mais engajamento; quanto mais engajamento, mais visibilidade; e quanto mais visibilidade, mais votos. A democracia digital virou um reality show distópico, em que ganha o participante mais polêmico. O projeto de país? Que nada! O que vale é o projeto de lacração. O extremismo virou produto de consumo rápido: vem em frases curtas, vídeos de 30 segundos e jargões de efeito. Não precisa de programa, nem de plano de governo. Basta repetir com convicção que o outro lado vai destruir a família, a liberdade, a fé ou a propriedade. O eleitor médio, que já trabalha demais e lê de menos, agradece o alívio cognitivo. Votar virou um ato de vingança social. “se for pra piorar, que piore pro outro também”.

E, claro, os políticos perceberam isso. Alguns abandonaram o pragmatismo e a negociação (essa arte burguesa da política civilizada) para adotar a retórica do confronto permanente. São os novos gladiadores do populismo digital, que chamam adversários de “criminosos” e jornalistas de “vermes”, enquanto se autopromovem como mártires da verdade. Se forem processados, melhor ainda: o judiciário vira “inimigo do povo” e o mártir se transforma em mito. O problema é que esse ódio todo não evapora depois das eleições. Ele se institucionaliza, contamina o debate público e transforma qualquer tentativa de moderação em traição. O centro político virou terra de ninguém: muito frouxo para a direita, muito vendido para a esquerda. E assim seguimos, como diria Nelson Rodrigues, “divididos entre o insulto e a cuspida”. O extremismo ainda rende votos porque o medo vende mais que a esperança. Porque a sensação de pertencimento, mesmo que seja a um clube de ressentidos, é mais forte do que a razão. E porque, no fim, há quem prefira perder a democracia do que perder a discussão no grupo de WhatsApp da família.

Mas fique tranquilo. Na próxima eleição, com certeza tudo vai mudar. Os candidatos virão com propostas técnicas, diálogo civilizado e compromisso com o bem comum. Só que não.

Thales Aguiar – Jornalista e escritor
Especialista em Ciência Política

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